domingo, 26 de agosto de 2007

saber dizer não à multidão de mascarados

Em nome do... gay coagido, gay libertário:
saber dizer não à multidão de mascarados. Releia a crônica


Por Mauro Arcanjo

A coletividade preza a aparência em favor do senso comum. Como
sabido, a sociedade vive um eterno baile de máscaras e a religião é
um deles.

Diante do fundamentalismo religioso, o homossexual é um indivíduo
abalado por forças ocultas, voltado para as práticas inomináveis e
desprovido de retidão. Em suma, possui um comportamento patológico,
portanto, nocivo àqueles predestinados ao Paraíso. A
heterossexualidade, por sua vez, segue na contramão desse princípio.
Sugere uma vocação nata, um atestado de normalidade. É o selo dos
fiéis, a regra geral que conduz ao Céu.

Este selo de heterossexualidade confere a quem o possui o gozo de
uma liberdade sem limites, um direito de ir e vir sem retaliação. Ou
seja, é o estado aspirado por todo gênero humano. Por sua vez, aos
que manifestam uma tendência sexual contrária, restam o banimento e
a exclusão do todo.

Inconformados com o tratamento recebido, muitos até se enquadram nos
padrões vigentes. Alimentam a crença de que é possível aniquilar a
atração sentida. Combatem a rejeição apostando na frustração das
relações com o sexo oposto. E à solidão, abraçando a sensação de
vazio. Declaram amar sem terem um mínimo de amor próprio. E para
quê? Para fazer valer um selo que não os felicita, nada peculiar à
sua natureza.

Outros descobrem a fuga dedicando-se à clausura religiosa. Vêem nas
paredes de um seminário o escudo que irá defendê-los das investidas
demoníacas do mundo. Daí, passam a viver sob a égide de seus
próprios algozes e a nutrir uma relação de ódio para consigo mesmos
na tentativa de agradar àqueles que os repelem, mas que,
paradoxalmente, os acolhem. Isto me faz recordar que o homem é o
único animal sobre a Terra capaz de encarcerar os de sua espécie e
de se confinar em uma prisão sem muros.

A homossexualidade não pode ser interpretada como um traço de
anomalia nem um pré-indicativo de condenação. Ninguém pode intitular-
se porta-voz de Deus para espalhar a mensagem de intolerância e
incompreensão à diversidade afetiva e sexual. Há os que ainda o
fazem, como sempre haverá. No entanto, eles vêm perdendo espaço
justamente por pregarem uma filosofia oposta aos ensinamentos que
simbolizam sua crença: "amar a Deus em primeiro lugar e ao próximo
como a si mesmo". Amar, neste sentido, significa aceitar acima de
tudo. Respeitar-se mutuamente. Dentro dessa política não há espaço
para divisões ou contendas e o diálogo é a primeira das muitas
portas que conduzem à Terra prometida.

Todavia, quando alguém descarta essa fachada para mostrar um
potencial, a sociedade padronizada imediatamente apela para a tática
de Caim, que eliminou Abel por este se atrever a dar o seu melhor e
não seguir o pré-estabelecido. Abel acabou morto pelas mãos do
irmão. Não pôde mudar seu destino. Muitos gays também não puderam.
Morreram vitimados pelo preconceito. Nós, contudo, podemos mudar o
nosso. Basta, para isso, dizermos não ao convite do grupo que
apedreja em defesa daqueles que são apedrejados, dizer não às
máscaras.

O pecador que joga uma pedra contra o outro recebe o mesmo impacto
procedente de sua acusação. Deus não faz distinção de pessoas nem
dita comportamentos. Deus prova o coração. E é nele que reside a
redenção ou a condenação de um homem. Amar é um gesto que nos eleva
aos céus, jamais nos empurra para o abismo. Se abrirmos mão dessa
dádiva temendo a censura, talvez estejamos a salvo da sentença
proferida por Caim, mas certamente condenados a uma vida sem frutos.

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